Num sistema de administração executiva ou de ato administrativo, a administração pública está habilitada a declarar o direito no caso concreto, tendo essa declaração um valor jurídico obrigatório suscetível de provocar alterações na esfera dos destinatários, ainda que contra a vontade destes. Logo, se a administração pode determinar unilateralmente para o cidadão aquilo que para ele deve valer como direito, então não faz sentido contratar com o cidadão tudo aquilo que se pode impor. A conceção tradicional da administração como um poder de autoridade teve como consequência o acolhimento da unilateralidade enquanto modo de realização do direito (autotutela declarativa, execução unilateral do direito e monopólio da força). Assim, o direito não é consensualizado com aqueles a quem se destina, antes resulta de uma decisão do poder público, legitimada pela lei. Dizendo de outro modo, a força vinculativa das decisões administrativas é independente da adesão ou aquiescência dos seus destinatários.
No entanto, é, hoje, inquestionável que o modelo da unilateralidade não assegura uma resposta adequada a diversos problemas com os quais se defronta a administração do nosso tempo. Neste sentido, recentemente, em Portugal, o Código de Procedimento Administrativo de 2015 tornou-se fonte habilitadora de dois modelos de exercício do poder administrativo de autoridade: o modelo da unilateralidade do exercício do poder administrativo de autoridade; e o modelo contratualista do exercício do poder administrativo de autoridade (art. 127.º). De acordo com o modelo contratualista, o cidadão é juridicamente vinculado porque nisso consentiu, ou seja, porque participou num acordo de vontades com a administração que define o direito aplicável à situação jurídica concreta. Também aqui se define o direito aplicável à situação jurídica concreta, mas por via da autoimposição e do autoconsentimento dos respetivos destinatários. Logo, em certos domínios, não faz sentido que a administração imponha unilateralmente tudo aquilo que pode obter consensualmente. Neste ensejo, o contrato pode revelar-se a decisão ótima sempre que prossegue o interesse público e, além disso, obtém o consenso do particular (destinatário) para a sua execução. Por esta via se alcançam resultados ou índices mais elevados de efetividade das decisões administrativas, o que se encontra em harmonia com o atual paradigma da «administração de resultados».
Nesta sequência, a presente Dissertação tem por objeto o instituto do contrato administrativo sobre o exercício de poderes públicos, o qual vem adquirindo extraordinária relevância no direito administrativo contemporâneo. O contrato sobre o exercício de poderes públicos é um ato bilateral de exercício da autoridade da administração. Trata-se de um ato consensual na sua origem, administrativo na sua natureza e que exprime o exercício de um poder de autoridade na sua função.
Título: Contrato e Poder Administrativo
Autor: Jorge Alves Correia
Editora: Gestlegal
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