O Tribunal da Relação do Porto (TRP) decidiu que no crime de violação da obrigação de alimentos, porque visa a proteção de bens jurídicos eminentemente pessoais, o número de crimes determina-se pelo número de pessoas em relação às quais a satisfação das suas necessidades fundamentais é posta em perigo pelo incumprimento da obrigação de alimentos.

O caso

Depois do divórcio, um homem, pai de duas filhas menores, ficou obrigado a contribuir com 100 euros mensais a título de alimentos para elas mas, apesar de ter meios para o fazer, nunca lhes entregou qualquer valor.

Em consequência, foi condenado pela prática de um único crime de violação da obrigação de alimentos, decisão com a qual o Ministério Público não concordou, tendo recorrido para o Tribunal da Relação do Porto pedindo para que o arguido fosse condenado como autor material, em concurso efetivo e na forma consumada, de dois crimes de violação da obrigação de alimentos.

Apreciação do Tribunal da Relação do Porto

O Tribunal da Relação  do Porto (TRP) concedeu provimento ao recurso, condenando o arguido pela prática de dois crimes de violação da obrigação de alimentos, na pena única de dezasseis meses de prisão, suspensa na sua execução.

Decidiu o TRP que no crime de violação da obrigação de alimentos, porque visa a proteção de bens jurídicos eminentemente pessoais, o número de crimes determina-se pelo número de pessoas em relação às quais a satisfação das suas necessidades fundamentais é posta em perigo pelo não cumprimento dessa obrigação.

Segundo o Tribunal da Relação do Porto, o que está em causa não é apenas o mero incumprimento de uma obrigação legal de prestar alimentos, que é uma obrigação civil, mas, essencialmente, a proteção do titular do direito a alimentos face ao perigo de não satisfação das necessidades fundamentais.

Não sendo pelo facto de os alimentos serem fixados em prestações pecuniárias mensais que decorre o caráter patrimonial do bem jurídico tutelado no tipo do crime, uma vez que o que essas prestações pecuniárias visam assegurar é a indispensável satisfação das necessidades da vida. Pelo que, para a determinação do número de crimes não se apresenta relevante o facto de a violação da obrigação de alimentos, em favor de vários alimentados, ser realizada através de uma única omissão ou através de várias omissões.

Assim, uma vez que o tipo legal visa a proteção de bens jurídicos eminentemente pessoais, o agente cometerá tantos crimes quantos os alimentandos a quem não prestou alimentos e cuja satisfação das necessidades fundamentais foi posta em perigo pelo não cumprimento dessa obrigação de alimentos.

Por isso, o arguido, ao não cumprir a obrigação a que se encontrava vinculado em relação a cada uma das suas filhas, violou o mesmo bem jurídico, que é de natureza eminentemente pessoal, no que respeita a duas pessoas diferentes, pelo que estamos perante um caso de concurso efetivo, devendo ser condenado pela prática de dois crimes de violação de prestação de alimentos.

Via | LexPoint

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo n.º 571/12.9TAPVZ.P1, de 9 de novembro de 2016      

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