O Tribunal da Relação de Guimarães (TRG) decidiu que viola o direito ao repouso dos moradores a emissão de ruído por parte de um estabelecimento comercial, designadamente o proveniente de três compressores, que os acorda durante a noite, lhes torna difícil retomar o sono e faz com que este não seja reparador, mesmo quando essa emissão não ultrapasse os limites legais fixados para a emissão de ruído.

O caso:

Um casal morador num prédio em cujo rés-do-chão estava instalado um supermercado, intentou uma ação em tribunal reclamando contra o ruído produzido pelo supermercado, não só no rés-do-chão mas também numa garagem, onde tinha sido instalada diversa mercadoria de apoio ao seu funcionamento, entre as quais três compressores.

Para o efeito alegaram que o ruído produzido durante a noite por esses compressores e entre as 6h00 e as 9h00 da manhã, com as descargas de mercadoria para o supermercado, os impedia de dormirem e de descansarem.

A empresa proprietária do imóvel e a empresa proprietária do supermercado contestaram a ação mas o tribunal entendeu condená-las a cessarem de utilizar a garagem como lugar de instalação de maquinaria de apoio ao supermercado e a reporem o respetivo pavimento, e a segunda a pagar uma indemnização de 1.500 euros a cada um dos queixosos e a não usar, nas descargas para o supermercado, carros de transporte manual de mercadorias com rodas de plástico duro ou outro material ruidoso.

Inconformadas com essa decisão, ambas recorreram para o Tribunal da Relação de Guimarães defendendo que só podiam ter sido condenadas se o casal tivesse demonstrado que o ruído causado pelas máquinas ultrapassava os limites impostos pela lei para a emissão de ruído e alegando que essa condenação punha em causa os seus direitos à liberdade e realização económicas. Quanto ao casal, este recorreu também, pedindo para que fosse aumentado o valor da indemnização.

Apreciação do Tribunal da Relação de Guimarães:

O Tribunal da Relação de Guimarães (TRG) concedeu parcial provimento ao recurso interposto pelo casal, aumentando para 3.000 euros o valor da indemnização a pagar a cada um deles, tendo quanto ao mais confirmando a condenação das rés.

Decidiu o TRG que viola o direito ao repouso dos moradores a emissão de ruído por parte de um estabelecimento comercial, designadamente o proveniente de três compressores, que os acorda durante a noite, lhes torna difícil retomar o sono e faz com que este não seja reparador, mesmo quando essa emissão não ultrapasse os limites legais fixados para a emissão de ruído.

Segundo o TRG, o facto de ter ocorrido licenciamento administrativo da atividade lesiva ou dos níveis de ruído não ultrapassarem os níveis máximos estabelecidos no regulamento geral do ruído não obsta à tutela prioritária do direito fundamental de personalidade lesado.

As normas que tutelam a preservação dos direitos básicos de personalidade não podem ser vistas como contendo uma mera proclamação retórica, sendo essencial que lhes seja conferido o necessário relevo e efetividade na vida em sociedade. Razão pela qual não é tolerável que o interesse no exercício ou exploração lucrativa de quaisquer atividades lúdicas, de diversão ou económicas se faça com o esmagamento dos direitos básicos de todos os cidadãos que tiverem o azar de residir nas proximidades, aniquilando, em termos claramente desproporcionados, o direito a gozarem de um mínimo de tranquilidade, sossego e qualidade de vida no seu próprio domicílio.

Com efeito, o direito de personalidade não pode ser restringido por um simples regulamento. A compatibilização jurídica do regulamento do ruído com o direito de personalidade deve ser feita no sentido de que todos devem limitar a emissão de ruídos, em geral, ao estabelecido nesse regulamento, mas deste não resulta um direito a fazer ruído nem muito menos que seja lícito impedir o repouso alheio, pois o direito de personalidade prevalece sempre sobre o regulamento do ruído.

De facto, este apenas estabelece limites máximos objetivos inultrapassáveis, mas não consagra um direito absoluto de emissão de ruídos abaixo de tais limites, pelo que os ruídos que respeitarem o teto que consta nesse diploma têm ainda que observar a restante legislação sobre a matéria, designadamente a referente aos direitos de personalidade. Deste modo, mesmo que o ruído em causa não ultrapasse os limites consagrados no regulamento geral do ruído, sempre terá ainda que situar em níveis que também respeitem os direitos de personalidade dos vizinhos e moradores.

Via | LexPoint

 Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no processo n.º 1300/07.4TBFAF.G1, de 9 de junho de 2016

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