O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que deve ser declarada nula, por prosseguir um fim proibido por lei, a partilha na qual o cônjuge sobrevivo e os filhos, aproveitando a ausência e desconhecimento de uma das filhas, cujo quinhão hereditário passara a pertencer ao pai, tenham antecipado a partilha que viria a ter lugar pelo futuro óbito deste, que veio a ocorrer no ano seguinte.

O caso

Marido e mulher, casados no regime de comunhão geral de bens, tiveram quatro filhos. Assim, quando a mulher morreu, sucederam-lhe cinco herdeiros: os quatro filhos e o marido, tendo ela deixado testamento público, no qual instituiu o marido como herdeiro da sua quota disponível.

Ao proceder à partilha da herança por ela deixara, na mesma não interveio uma das filhas, cujo quinhão hereditário havia sido adquirido pelo seu pai no âmbito de um processo executivo intentado contra ela. Na escritura de partilha a nua propriedade dos imóveis que faziam parte da herança foi adjudicada aos três irmãos intervenientes na partilha, sendo o valor atribuído aos imóveis muito inferior ao seu valor comercial ou de mercado, tendo o pai ficado com o usufruto dos mesmos, com direito a tornas dadas por recebidas, mas que efetivamente o não foram.

Inconformada com o teor da partilha, a filha recorreu a tribunal pedindo para que fosse declarada a nulidade da mesma, alegando que ela servira para antecipar a partilha que viria a ter lugar pelo futuro óbito do pai, ocorrida no ano seguinte, afastando-a da herança deste, à qual tinha direito.

Mas a ação foi julgada improcedente, decisão que foi confirmada pelo Tribunal da Relação e que motivou a interposição de recurso para o STJ

Apreciação do Supremo Tribunal de Justiça

O STJ julgou procedente o recurso, declarando nula a partilha e ordenando o cancelamento de todos os registos de aquisição da nua propriedade de todos os prédios.

Decidiu o STJ que deve ser declarada nula, por prosseguir um fim proibido por lei, a partilha na qual o cônjuge sobrevivo e os filhos, aproveitando a ausência e desconhecimento de uma das filhas, cujo quinhão hereditário passara a pertencer ao pai, tenham antecipado a partilha que viria a ter lugar pelo futuro óbito deste, que veio a ocorrer no ano seguinte.

A lei permite que, em certos casos e mediante certos mecanismos, os efeitos da partilha possam ser antecipados. Nesse âmbito, permite-se que se faça doação entre vivos da totalidade ou de parte dos bens, através de doação a favor de herdeiro legitimário, com o consentimento dos demais herdeiros legitimários não donatários, sendo o consentimento destes essencial para a validade do negócio.

Dissolvido um casal por óbito de um dos cônjuges e feita a respetiva partilha por escritura na qual não participou uma das filhas do casal, com atribuição aos outros filhos da nua propriedade dos imóveis, com a futura consolidação, na sua titularidade, da propriedade plena dos mesmos por via da extinção do usufruto então constituído a favor do cônjuge sobrevivo e sem que a este fossem pagas as tornas que lhe cabiam, mas que na escritura foram mentirosamente dadas como pagas, é obtido, no que toca à futura sucessão do cônjuge sobrevivo, um resultado igual ao de uma partilha em vida. Partilha em vida essa que, se tivesse sido feita, seria inválida devido à ausência de uma das herdeiras legitimárias, cujo quinhão hereditário passara a pertencer ao pai.

Através desse estratagema, os demais herdeiros procuraram obter, e obtiveram, sem o consentimento da outra herdeira, um resultado que, legalmente, não dispensaria esse mesmo consentimento.

Nessas circunstâncias, embora sejam legais o conteúdo e objeto do negócio jurídico realizado, que foi a partilha feita em notário, através desta prosseguiu-se um fim proibido por lei e que foi querido por todos os que nele intervieram. Estes atuaram em fraude à lei, naturalmente ilícita, o que invalida a partilha feita.

A partilha deve, assim, ser declarada nula, nulidade que não afeta, porém, a validade da escritura pela qual foi celebrada.

Via | LexPoint 
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo n.º 420/16.9T8STR.E1.S1, de 2 de novembro de 2017

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