O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) decidiu que lei portuguesa desrespeita o direito europeu quando exclui da cobertura do seguro automóvel os peões vítimas de acidente de viação que sejam tomadores do seguro e proprietários da viatura envolvida no acidente.

O caso

Em abril de 2009, um casal estava na sua propriedade quando foi surpreendido por um homem a levar um dos seus carros. Para o tentar impedir, o casal entrou noutro carro iniciando uma perseguição.

Perto de um cruzamento, o carro parou tendo o dono do carro parado também e saído em direção ao veículo. Nesse momento, este fez marcha atrás batendo na lateral do carro que estava em perseguição e atirando o dono do mesmo ao chão. Depois deste se levantar o carro voltou a investir contra o mesmo, passando-lhe por cima e arrastando-o ao longo de oito metros, provocando-lhe várias fraturas e traumatismos.

Situação que o levou a acionar o seguro do carro, mas a seguradora rejeitou o pagamento de qualquer indemnização, o que o levou a recorrer para tribunal. A ação foi julgada improcedente porque, segundo a lei, o proprietário do veículo estava excluído do círculo de potenciais beneficiários do seguro contratado.

Inconformado, o proprietário do veículo interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora (TRE), defendendo uma interpretação restritiva da lei. O TRE decidiu suspender a instância e questionar o TJUE sobre se o direito da União se opunha à exclusão pelo direito nacional de qualquer indemnização ao proprietário do veículo e tomador do seguro que fosse intencionalmente atropelado pelo seu veículo, quando este era conduzido por outra pessoa.

Apreciação do Tribunal de Justiça da União Europeia

O TJUE decidiu que a legislação portuguesa contraria o direito da União ao excluir da cobertura e, por conseguinte, da indemnização pelo seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel os danos sofridos por um peão vítima de um acidente de viação, apenas pelo facto desse peão ser o tomador do seguro e o proprietário do veículo que causou esses danos.

Segundo o TJUE, a regulamentação da União em matéria de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel visa garantir não só que todos os passageiros vítimas de um acidente causado por um veículo sejam indemnizados pelos danos que sofreram, mas também os peões, ciclistas e outros utilizadores não motorizados das estradas.

Por conseguinte, enquanto peão no momento em que ocorreu o acidente, os danos sofridos pelo proprietário do veículo estão necessariamente cobertos pelo seguro obrigatório do seu veículo.

No que se refere mais especificamente à qualidade de tomador do seguro e de proprietário do veículo envolvido num acidente de viação, que foi vítima desse acidente, o objetivo de proteção das vítimas impõe que a situação jurídica do proprietário do veículo, que nele viajava no momento do referido acidente como passageiro, seja equiparada à de qualquer passageiro vítima do mesmo acidente.

Por analogia, há que considerar que o facto de um peão atropelado no âmbito de um acidente de viação ser o tomador do seguro e o proprietário do veículo que causou esse acidente não permite excluí-lo do conceito de terceiro vítima abrangido pelo seguro de responsabilidade civil automóvel.

Com efeito, o facto do proprietário do veículo em causa e tomador do seguro não viajar no veículo no momento em que ocorreu o acidente, mas ter sido atropelado por esse mesmo veículo, revestindo a qualidade de peão, não justifica uma diferença de tratamento, atendendo ao mesmo objetivo de proteção prosseguido pelo direito da União.

Não podendo, segundo o TJUE, a seguradora invocar uma regulamentação como a nacional para lhe recusar o seu direito a ser indemnizado pelos danos que sofreu em resultado do acidente.

 Via | Lexpoint
Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, proferido no processo n.º C-503/16, de 14 de setembro de 2017

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