O Tribunal da Relação de Évora (TRE) decidiu que, no âmbito da investigação de um crime de violência doméstica, a transmissão ao Ministério Público de dados conservados pelos fornecedores de serviços de comunicações só pode ser ordenada ou autorizada por despacho fundamentado do juiz e se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter.

O caso:

Uma mulher apresentou queixa por factos passíveis de integrar um crime de violência doméstica, violação de domicílio ou perturbação de vida privada.

No decurso do inquérito aberto em consequência dessa queixa, o Ministério Público (MP) solicitou junto do juiz de instrução que este ordenasse à operadora telefónica da queixosa para que fornecesse a listagem detalhada das chamadas recebidas, os números telefónicos de proveniência dessas chamadas e a identificação dos respetivos autores.

Pedido esse que foi indeferido, depois de o juiz de instrução ter considerado que a ofendida podia dar por escrito autorização para que a operadora fornecesse esses dados e que só em caso de recusa é que o tribunal podia, eventualmente, dar essa ordem à operadora. Discordando dessa decisão e insistindo na necessidade de decisão judicial, o Ministério Público recorreu para o Tribunal da Relação de Évora.

Apreciação do Tribunal da Relação de Évora:

O Tribunal da Relação de Évora concedeu provimento ao recurso ao decidir que, no âmbito da investigação de um crime de violência doméstica, a transmissão ao Ministério Público de dados conservados pelos fornecedores de serviços de comunicações só pode ser ordenada ou autorizada por despacho fundamentado do juiz e se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter.

Segundo o Tribunal da Relação de Évora, em caso de investigação e repressão de infrações penais relativas a comunicações, dados de comunicações e sua conservação existe legislação especial aplicável em detrimento do Código de Processo Penal.

Essa legislação especial é constituída pela lei relativa à conservação de dados gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações electrónicas publicamente disponíveis ou de redes públicas de comunicações, a lei do cibercrime e a Convenção do Conselho da Europa sobre o Cibercrime, também designada Convenção de Budapeste.

Segundo essa legislação especial, estando em causa dados conservados pelos fornecedores de serviços de comunicações, a sua transmissão às autoridades competentes, MP ou autoridade de polícia criminal, só pode ser ordenada ou autorizada por despacho fundamentado do juiz e se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter no âmbito da investigação, deteção e repressão de crimes graves.

Sendo que nesse conceito de crime grave se deve considerar abrangido o crime de violência doméstica.

Pelo que, no caso em análise, o fornecimento desses dados estaria sempre dependente de autorização judicial.

Via | LexPoint
Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido no processo n.º 223/16.0GBLLE.E1, de 25 de outubro de 2016

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