O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) decidiu que não há doação quando os pais alterem a titularidade da sua conta bancária para nome dos filhos, mantendo a mãe autorização para movimentar a conta, por temerem que, devido à sua idade avançada e estarem a viver num lar, pudessem ficar incapacitados de a gerir, permitindo assim aos filhos que fizessem essa gestão de modo a prover às suas necessidades que não fossem cobertas pelas suas pensões de reforma.

O caso

Em setembro de 2006, um casal decidiu ir viver para um lar, tendo vendido a casa onde residiam e depositado no banco o dinheiro obtido com essa venda.
Porém, para se prevenirem quanto à possibilidade de ficarem, por motivos de saúde, incapacitados de movimentar a conta bancária, o casal decidiu colocar os filhos como titulares da conta.

Entretanto o homem morreu, tendo a mulher mantido autorização para movimentar a conta.

Quando, em maio de 2014, o filho morreu, a irmã levantou e transferiu da conta a quase totalidade do dinheiro, com receio de que um dos sobrinhos se pudesse apropriar do mesmo, alegando que o dinheiro pertencia a sua mãe.

O sobrinho reagiu, defendendo que metade do dinheiro depositado na conta pertencia à herança deixada pelo seu pai e pedindo em tribunal que a tia fosse obrigada a devolvê-lo.

A ação foi julgada improcedente, decisão com a qual o sobrinho não se conformou, tendo recorrido para o Tribunal da Relação de Lisboa, defendendo que o dinheiro fora doado pelos seus avós ao seu pai e à sua tia.

Apreciação do Tribunal da Relação de Lisboa

O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) negou provimento ao recurso ao decidir que não há doação quando os pais alterem a titularidade da sua conta bancária para nome dos filhos, mantendo a mãe autorização para movimentar a conta, por temerem que, devido à sua idade avançada e estarem a viver num lar, pudessem ficar incapacitados de a gerir, permitindo assim aos filhos que fizessem essa gestão de modo a prover às suas necessidades que não fossem cobertas pelas suas pensões de reforma.

Segundo o TRL, a mera colocação dos filhos como titulares da conta bancária não é suficiente para comprovar uma doação, sobretudo se existirem outros factos que ponham em causa a existência de uma intenção de doar o dinheiro depositado.

É o que ocorre quando os filhos só tenham sido colocados como titulares da conta por receio dos pais de que pudessem deixar de ter capacidade de as movimentar, o dinheiro tenha sido sempre utilizado para fazer face às suas despesas e a mãe tenha mantido a autorização para movimentar a conta, o que não faria sentido se tivesse de facto havido doação.

Na verdade, o depósito bancário em nome dos filhos, mas com autorização da mãe para movimentar a conta, não pode só por si configurar uma doação, até porque qualquer um deles, filho, filha e mãe poderia levantar a totalidade do dinheiro depositado, não se confundindo a titularidade da conta com a propriedade dos respetivos fundos.

Assim, não tendo existido qualquer intenção de doar mas apenas uma intenção de permitir aos filhos fazerem face, mais facilmente, à satisfação das necessidades dos pais, mantendo-se o dinheiro depositado sempre na esfera jurídica destes, é de afastar a existência de doação o que obsta a que metade do dinheiro depositado possa ser considerado como fazendo parte da herança deixada pela morte de um dos filhos.

Via | LexPoint

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo n.º 1958-15.0T8OER.L1, de 13 de outubro de 2016 

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