O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que, após a acusação, o arguido tem o direito de examinar todo o conteúdo dos suportes técnicos referentes a conversações ou comunicações escutadas e de obter, à sua custa, cópia das partes que pretenda transcrever para juntar ao processo, mesmo das que já tiverem sido transcritas, desde que a transcrição destas se mostre justificada.

O caso

Após o encerramento do inquérito com dedução de acusação, o arguido requereu ao Ministério Público (MP) que lhe fosse entregue cópia em suporte digital de todas as conversações telefónicas gravadas e transcritas no processo.

Mas o MP indeferiu esse pedido, tendo o arguido pedido a intervenção do juiz de instrução, o qual ordenou que lhe fosse entregue de cópia em CD de todas as suas conversações.

Dessa decisão foi interposto recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual a revogou considerando que o arguido apenas podia obter cópia das gravações de conversações telefónicas não transcritas e das transcritas em relação às quais pretendia apresentar nova transcrição por discordar da que fora feita.

Perante essa decisão, o Ministério Público interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, alegando que a mesma estava em contradição com outra proferida pelo mesmo Tribunal da Relação.

Apreciação do Supremo Tribunal de Justiça

O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) fixou jurisprudência no sentido de que a partir do encerramento do inquérito com dedução de acusação, o arguido, até ao termo dos prazos previstos para requerer a abertura da instrução ou apresentar a contestação, tem o direito de examinar todo o conteúdo dos suportes técnicos referentes a conversações ou comunicações escutadas e de obter, à sua custa, cópia das partes que pretenda transcrever para juntar ao processo, mesmo das que já tiverem sido transcritas, desde que a transcrição destas se mostre justificada.

Diz a lei que a partir do encerramento do inquérito, o assistente e o arguido podem examinar os suportes técnicos das conversações ou comunicações e obter, à sua custa, cópia das partes que pretendam transcrever para juntar ao processo, bem como dos respetivos relatórios, até ao termo dos prazos previstos para requerer a abertura de instrução ou apresentar a contestação, respetivamente.

Esta disposição, introduzida em 2007, representa uma inovação importante em relação ao regime anterior, permitindo, no que ao arguido importa, em nome do direito de defesa, a sua efetiva participação no processo de seleção dos elementos recolhidos através das conversações ou comunicações telefónicas gravadas que hão-de valer como prova no processo.

Sendo o seu texto claro, comportando um só sentido, que é o de, após o encerramento do inquérito com dedução de acusação, o arguido poder examinar todo o conteúdo dos suportes técnicos e de obter cópia apenas das partes que pretenda transcrever para juntar ao processo.

Segundo o STJ, esta solução traduz uma ponderação equilibrada dos interesses em jogo pois, por um lado, garante o direito de defesa do arguido, permitindo-lhe o exame de todas as conversações ou comunicações gravadas e a obtenção de cópia das partes que pretenda transcrever e juntar ao processo para aí poderem valer como prova, mesmo das já transcritas, desde que a transcrição destas se mostre justificada, e, por outro, ao vedar a saída da secretaria de cópia dos suportes técnicos das conversações ou comunicações que não se destinem a ser transcritas para efeitos de prova, diminuindo a possibilidade de divulgação do seu conteúdo, salvaguarda os direitos de sigilo das comunicações, à palavra e à privacidade nos casos em que os fins do processo penal não impõem o seu sacrifício.

É claro que o arguido ou o assistente podem não transcrever todas as partes das gravações de que pediram cópias, ou por que já não o pretendiam fazer no momento em que apresentaram o pedido ou por outra razão, como falta de tempo ou mudança de opinião sobre a relevância de determinadas partes. Mas esse é um risco que o regime estabelecido decidiu suportar, tendo em vista os interesses que pretende servir, e que será minimizado com a entrega apenas das cópias das partes das gravações ainda não transcritas no processo, só lhe sendo disponibilizadas cópias de partes já transcritas, se quanto a estas se mostrar justificada uma nova transcrição.

Nesse sentido, o acórdão recorrido, negando o direito de o arguido obter cópia dos suportes técnicos referentes a conversações ou comunicações que não se propunha transcrever para juntar ao processo, não contraria essa interpretação, devendo por isso ser confirmado.

Via | LexPoint

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo n.º 50/14.0SLLSB-U.L1.S1, de 9 de março de 2017

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