O Tribunal da Relação de Coimbra (TRC) decidiu que comete um crime de falsificação de documento o sócio-gerente de uma sociedade unipessoal por quotas que assina uma ata na qual é declarada a falsa inexistência de ativo e passivo, destinada a instruir o pedido de instauração, no registo comercial, de procedimento administrativo de extinção imediata da pessoa coletiva.

O caso

O sócio-gerente de uma sociedade unipessoal por quotas destinada à construção e manutenção de piscinas e jardins redigiu e assinou uma ata na qual fez constar que considerando que já fora liquidado todo o ativo e passivo da sociedade, que não existiam bens a partilhar e que as respetivas contas já tinham sido aprovadas e encerradas, fora deliberado por unanimidade dissolver a sociedade.

Na posse dessa ata dirigiu-se à conservatória do registo comercial onde registou a dissolução, o encerramento da liquidação e o cancelamento da matrícula da sociedade comercial.

Sucede que, no âmbito da atividade comercial exercida pela sociedade, o sócio-gerente tinha encomendado diverso material a uma outra sociedade que nunca chegara a pagar, tendo o cheque entregue para pagamento sido devolvido por falta de provisão.

Em consequência, o sócio-gerente foi acusado da ter praticado um crime de falsificação de documento mas o juiz de instrução decidiu não o levar a julgamento. Discordando dessa decisão, o Ministério Público interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra.

Apreciação do Tribunal da Relação de Coimbra

O Tribunal da Relação de Coimbra (TRC) julgou procedente o recurso, revogando a decisão recorrida e ordenando a sua substituição por outra que pronunciasse o arguido pelo crime de falsificação de documento do qual fora acusado.

Decidiu o TRC que comete um crime de falsificação de documento o sócio-gerente de uma sociedade unipessoal por quotas que assina uma ata na qual é declarada a falsa inexistência de ativo e passivo, destinada a instruir o pedido de instauração, no registo comercial, de procedimento administrativo de extinção imediata da pessoa coletiva.

O procedimento especial de extinção imediata de entidades comerciais permite que esta ocorra, sem necessidade de liquidação prévia, com base em ata que contenha a deliberação unânime da dissolução e liquidação imediata da sociedade e menção expressa da inexistência de ativo e passivo.

Sendo declarada na ata a inexistência de ativo e passivo sem que tal corresponda à realidade, coloca-se a questão de saber se tal pode integrar a prática de um crime de falsificação de documento.

Para esse efeito importa não confundir a situação em que o agente não tem o domínio sobre a produção do documento, limitando-se à declaração do facto no mesmo reportado, daquela outra em que o agente pratica um ato material determinante para o preenchimento ou registo no documento do facto falso juridicamente relevante, como sucede com a elaboração pelo próprio de ata com conteúdo falso por forma a obter a  extinção imediata da sociedade.

No primeiro caso haverá crime de prestação de falsas declarações, uma vez que é emitida uma mera declaração verbal sem qualquer participação na elaboração do documento, a qual é realizada por outrem, enquanto neste último haverá já crime de falsificação de documento.

Sendo que se trata de um facto juridicamente relevante que é feito constar falsamente da ata, uma vez que permite obter a extinção imediata da sociedade sem necessidade de previamente proceder à liquidação do seu ativo e ao pagamento das dívidas aos credores com o produto dessa mesma liquidação.

Via | LexPoint

Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no processo n.º 2159/13.8TALRA.C1, de 29 de março de 2017  

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