O Tribunal da Relação de Évora (TRE) decidiu que, na distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviços, deve ter-se presente que em determinados modelos de gestão a vontade do empregador pode não se manifestar por ordens diretas, mas diluir-se em troca de impressões, em discussões de projetos e de estratégias a seguir, continuando a ser patente a subordinação jurídica.

O caso:

Em maio de 2008, uma empresa dedicada à indústria de tinturaria de fios e respetivo comércio contratou os serviços de uma estilista, a quem antes havia já encomendado alguns modelos, mediante a assinatura de um contrato que denominaram de contrato de trabalho a termo certo, pelo prazo de um ano, renovável.

Nos termos desse contrato, a trabalhadora realizava para a empresa trabalhos relacionados com a produção no âmbito da conceção e desenvolvimento de produtos têxteis, tendo em conta as tendências da moda, nomeadamente, através da realização de pesquisas de tendência de moda, da criação de modelos exclusivos, da preparação de feiras internacionais, etc.

A trabalhadora trabalhava segundo os seus próprios horários e com autonomia no desenvolvimento do seu trabalho, que executava no seu atelier, deslocando-se às instalações da empresa apenas duas ou três manhãs por semana, para apresentar novos modelos para discutir e aconselhar estratégias de coleção, exposição, imagem, moda e levar o fio que a empresa lhe confiava para confeção dos modelos.

Até que, em dezembro de 2014, o contrato celebrado terminou por extinção do posto de trabalho, tendo então a trabalhadora reclamado o pagamento de diferenças salariais tendo em contra o que lhe deveria ter sido pago nos termos do Contrato Coletivo de Trabalho (CCT) aplicável.

A empresa contestou essa pretensão defendendo que o contrato celebrado não podia ser qualificado como um contrato de trabalho, mas apenas como uma mera prestação de serviços, e que, ainda que assim não se entendesse, o contrato sempre teria de ser considerado celebrado a tempo parcial.

O tribunal deu razão à trabalhadora, decisão com a qual a empresa não se conformou e da qual recorreu para o Tribunal da Relação de Évora.

Apreciação do Tribunal da Relação de Évora:

O Tribunal da Relação de Évora (TRE)  manteve a decisão recorrida ao confirmar que o contrato celebrado era de trabalho e não uma mera prestação de serviços.

Decidiu o TRE que, na distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviços, deve ter-se presente que em determinados modelos de gestão a vontade do empregador pode não se manifestar por ordens diretas, mas diluir-se em troca de impressões, em discussões de projetos e de estratégias a seguir, continuando a ser patente a subordinação jurídica.

A doutrina e a jurisprudência vêm identificando o critério da subordinação jurídica como sendo decisivo para a distinção entre as figuras do contrato de trabalho e da prestação de serviços. No contrato de prestação de serviços, ao contrário do contrato de trabalho, o prestador não fica sujeito à autoridade e direção da pessoa ou entidade servida, exercendo a atividade conducente ao resultado pretendido como melhor entender, de harmonia com o seu querer e saber e a sua inteligência.

Porém, detetar a presença de subordinação jurídica numa determinada relação não é tarefa fácil, pois esta não existe em estado puro. Para resolver as dificuldades que vão surgindo em cada caso concreto a doutrina e a jurisprudência têm enumerado determinados indícios distintivos com vista a facilitar a distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviços.

Indícios de subordinação jurídica esses que devem ser conciliados com a apreciação da existência ou não de uma incorporação na empresa ou organização técnico-laboral alheia.

Ora, apesar da atividade ser exercida fora das instalações do empregador e com elevada autonomia e criatividade, o facto da trabalhadora se deslocar às instalações da empresa duas ou três manhãs por semana, para apresentar novos modelos, para discutir e aconselhar estratégias de coleção, exposição, imagem, moda e levar o fio que aquela lhe confiava para confeção dos modelos, denota a existência de uma relação muito estreita e que o trabalho seria efetuado segundo as orientações transmitidas pela empresa.

Ao que acresce o facto do trabalho não ser pago à peça, mas mediante o pagamento de um valor fixo mensal, sujeito a descontos para a Segurança Social, e ao abrigo de um contrato que as partes intitularam como sendo de trabalho. Todos estes elementos levaram o TRE a concluir que a trabalhadora estava inserida na empresa de uma forma pouco compatível com a mera prestação de serviços.

Via | LexPoint

Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido no processo n.º 2123/15.2T8TMR.E1, de 7 de setembro de 2016

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