O Tribunal da Relação do Porto (TRP) decidiu que o desconto no vencimento do devedor de alimentos a filho menor tem apenas como limite o do montante da pensão social do regime não contributivo, o qual é considerado o mínimo exigível para se respeitar o principio da dignidade humana.

 O caso:

Perante a falta de pagamento pelo pai da pensão de alimentos ao filho, fixada em 150 euros mensais, a mãe recorreu a tribunal, tendo este ordenado que a entidade patronal do pai fosse notificada para proceder ao desconto do valor da pensão de alimentos no seu vencimento, acrescido de mais 50 euros mensais, para pagamento dos valores em dívida.

Notificada para proceder aos descontos, a entidade patronal do pai informou que, devido à redução da sua carga horária, o mesmo apenas ganhava 265 euros mensais, o que inviabilizava que se procedesse ao desconto de 200 euros mensais, sob pena de o deixar sem um valor mínimo de subsistência.

Tendo em conta essa informação, o tribunal determinou que a entidade patronal não procedesse aos descontos, por estar em causa a subsistência do pai do menor, e declarou que no momento era inviável o recurso ao mecanismo de cobrança coerciva da pensão de alimentos. Inconformada com esta decisão, a mãe do menor recorreu para o Tribunal da Relação do Porto.

 Apreciação do Tribunal da Relação do Porto:

O Tribunal da Relação do Porto (TPR) julgou procedente o recurso, revogando a decisão recorrida e ordenando o desconto da quantia de 60 euros mensais no vencimento do pai, a título de alimentos devidos ao filho menor.

Decidiu o TRP que o desconto no vencimento do devedor de alimentos a filho menor tem apenas como limite o do montante da pensão social do regime não contributivo, o qual é considerado o mínimo exigível para se respeitar o principio da dignidade humana.

Diz a lei, sobre os meios de tornar efetiva a prestação de alimentos que, quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida, dentro de dez dias depois do vencimento, pode ser ordenada a sua dedução no respetivo ordenado ou vencimento.

Este preceito legal tem necessariamente que ser conjugado com outros normativos legais, como sejam os preceitos constitucionais que consagram o princípio da dignidade humana e a norma que determina ser impenhorável, quando se trate de crédito de alimentos, a quantia equivalente à totalidade da pensão social do regime não contributivo, a qual se encontra atualmente fixada em 201,53 euros.

Nesse sentido, não pode ser julgado ilegal nem inconstitucional a possibilidade de serem efetuadas deduções no vencimento de devedor de prestações alimentares, vencidas ou vincendas, devidas a menores seus filhos, ainda que, de tal dedução resulte para aquele devedor rendimento inferior ao salário mínimo, desde que essas deduções não ponham em causa o mínimo de sobrevivência, garantido por montante equivalente ao dessa pensão social.

Ora, resulta evidente para o mais comum dos cidadãos que quem aufere 265 euros e tem certamente algumas despesas muito dificilmente, senão mesmo de forma impossível, acomodará mais uma obrigação de pagamento de 200 euros mensais. Um desconto desse valor é passível de colocar em causa o princípio da dignidade humana.

Todavia, também o seu filho menor necessita de ver acautelada a sua dignidade humana e a obrigação do pai emerge de um dever constitucionalmente autonomizado como dever fundamental, na medida em que os pais têm o dever de educação e manutenção dos filhos.

É por forma a conjugar estes dois direitos que deve ser permitido o desconto de valores auferidos pelo progenitor desde que superem os atuais 201,53 euros fixados para a pensão social do regime não contributivo.

Este montante será suficiente, na óptica do Estado, para garantir a dignidade humana da generalidade dos cidadãos que dele beneficiam, devendo de igual modo ser suficiente para garantir a dignidade humana daquele que esteja obrigado a prestar alimentos ao filho.

Assim, a lei deve ser interpretada no sentido de que os descontos na prestação do obrigado a alimentos são possíveis desde que garantam, como garantem no caso concreto, para o obrigado uma prestação mínima indispensável à sua sobrevivência condigna.

Deste modo deve ser ordenado o desconto de 60 euros mensais, o que deixa intocado um mínimo indispensável à sobrevivência condigna do pai, no valor de 205 euros.

Via | LexPoint

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo n.º 2226/13.8TMPRT.P1, de 12 de setembro de 2016

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