O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) decidiu que uma creche é responsável pelos danos sofridos por uma criança, ao embater e ao cortar-se com gravidade no vidro da porta do recreio, quando não tenha tido o cuidado de proteger esse mesmo vidro, violando com culpa a obrigação contratual de preservar a segurança dos menores dentro das suas instalações.

O caso

Um aluno da creche de uma sociedade de instrução e beneficência embateu contra o vidro de uma porta de acesso do recreio ao interior do edifício, quando estava a brincar à apanhada com os companheiros de sala, partindo o vidro e cortando-se com gravidade no seu braço direito, uma vez que o vidro não tinha proteção contra estilhaços.

No transporte para o hospital, devido à perda abundante de sangue, a criança perdeu a consciência, tendo tido que ser reanimada. Em resultado dos ferimentos a criança ficou com sequelas, tendo perdido parcialmente a sensibilidade da mão direita. Considerando a creche responsável pelo acidente, os pais recorreram a tribunal exigindo uma indemnização da sociedade e da respetiva seguradora.

O tribunal, julgando parcialmente procedente a ação, condenou a sociedade a pagar uma indemnização de 140.000 euros, sendo 90.000 euros a título de danos patrimoniais e 50.000 euros a título de danos morais, suportando a seguradora apenas o pagamento de 2.500 euros desses 90.000 euros devidos a título de danos patrimoniais. Inconformada com essa decisão, a sociedade recorreu para o TRL.

Apreciação do Tribunal da Relação de Lisboa

O TRL concedeu parcial provimento ao recurso, condenando a sociedade e a seguradora a pagarem, solidariamente, uma indemnização de 115.000 euros, sendo 80.000 euros a título de danos patrimoniais e 45.000 euros a título de danos morais.

Decidiu o TRL que uma creche é responsável pelos danos sofridos por uma criança, ao embater e ao cortar-se com gravidade no vidro da porta do recreio, quando não tenha tido o cuidado de proteger esse mesmo vidro, violando com culpa a obrigação contratual de preservar a segurança dos menores dentro das suas instalações.

Não existindo norma regulamentar que obrigue uma creche a colocar vidros aramados ou outra proteção especial nas portas do recreio e sendo de excluir a existência de violação do dever de vigilância, face à ausência de prova de omissão ou ação por banda dos educadores e auxiliares que, nas circunstâncias do acidente, pudesse evitar ou prevenir o embate da criança na porta, enquanto jogava a apanhada com os colegas no recreio, espaço aprestado precisamente às atividades de liberdade das crianças, é de afastar a responsabilidade delitual da creche, mas não a sua responsabilidade contratual.

Esta última emerge da falta de cumprimento das obrigações emergentes dos contratos, devendo a creche ser responsabilizada pelas consequências danosas advenientes para a vítima, por violação de um dever acessório de cuidado inerente à responsabilidade contratual no desenvolvimento da atividade educativa que prossegue no espaço que a criança frequentava e onde ocorreu o sinistro.

De facto, compete à creche, como dever acessórios da prestação principal de ministrar edução pré-escolar, providenciar pela adequação das instalações em termos de aptidão para prevenir a ocorrência de eventos lesivos da saúde e integridade física dos educandos. Dever esse redobrado quando esteja em causa uma porta que dê para o recreio, espaço vocacionado às dinâmicas das brincadeiras de grupo das crianças, com o uso frequente de bola, tornando por isso altamente provável a quebra dos vidros.  Verificando-se a violação desse seu dever, a mesma incorrerá em responsabilidade contratual por incumprimento defeituoso.

Assim, estando provado que no recreio a porta de acesso ao edifício apresentava uma área envidraçada desprovida de gradeamento ou de outra proteção, e que o seu armamento, em caso de embate, evitaria a quebra do vidro em pedaços, altamente cortantes, fazendo com que, ao invés, quebrasse em estilhaços, causando lesões de menor gravidade à vítima, a creche, ao negligenciar a proteção do equipamento de forma devida, violou com culpa a obrigação contratual de preservar a segurança dos menores dentro das suas instalações.

Face à mera culpa da creche, à natureza e extensão das lesões, mormente ao grau elevado do défice funcional, à idade do menor e à situação de perigo vivenciada, concluiu o TRL, com recurso à equidade, ser ajustado a fixação da indemnização por danos patrimoniais no montante de 80.000 euros e a atribuição compensatória da quantia de 45,000 euros pelos danos morais.

Via | Lexpoint
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo n.º 8162/16.9T8ALM.L1-7, de 5 de maio de 2020

Subscreve a newsletter e recebe os destaques do UDIREITO.