Seguro de invalidez e empréstimo bancário

O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) decidiu que, cobrindo o seguro o risco de invalidez total e permanente, o sinistro ocorre no momento em que se dá essa invalidez, impedindo o segurado de obter rendimentos que lhe permitam pagar o empréstimo bancário, e não quando a mesma é apurada no fim do processo destinado à verificação da ocorrência.

O caso

Um cliente de um banco contraiu um empréstimo junto do mesmo para compra de habitação tendo, para cobertura do risco de não poder pagar esse empréstimo, por morte ou incapacidade, aderido a um contrato de seguro que já existia entre o banco e a seguradora, ambas do mesmo grupo económico.

Em 2012 adoeceu, tendo, em 25/05/2015, uma junta médica lhe atribuído uma incapacidade permanente global de 95,70%, referindo que essa incapacidade estava instalada desde 2014.

No entanto, por não ter sido informado, pelo banco, dos trâmites necessários para acionar o seguro, nem das cláusulas do mesmo, só em fins de 2015, com efeitos reportados a 13/08/2015, data em que em que a Segurança Social o considerara reformado por incapacidade, é que a seguradora pagou ao banco o empréstimo em causa, tendo ele tido que pagar até lá as mensalidades.

Em consequência, recorreu a tribunal reclamando da seguradora o pagamento das mensalidades que tinha pago desde o momento em que se verificara a invalidez, bem como dos respetivos prémios do seguro. A ação foi julgada improcedente, decisão da qual foi interposto recurso para o TRL.

Apreciação do Tribunal da Relação de Lisboa

O TRL concedeu parcial provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida e julgando a ação parcialmente procedente contra a seguradora, condenando-a no pagamento dessas mensalidades ao autor, acrescidas de uma indemnização por danos não patrimoniais.

Decidiu o TRL que, cobrindo o seguro o risco de invalidez total e permanente, o sinistro ocorre no momento em que se dá essa invalidez, impedindo o segurado de obter rendimentos que lhe permitam pagar o empréstimo bancário, e não quando a mesma é apurada no fim do processo destinado à verificação da ocorrência.

O sinistro corresponde à verificação, total ou parcial, do evento que desencadeia o acionamento da cobertura do risco prevista no contrato de seguro. Tendo essa verificação o óbvio significado de ocorrência do evento e não o de processo de verificação da ocorrência.

Sendo o sinistro a invalidez da pessoa segura, o mesmo ocorre no momento em que a invalidez está instalada, no caso, desde 2014. A data em que terminou o processo de verificação dessa ocorrência é, para o efeito, irrelevante, bem como a data em que o evento foi participado ao banco ou à seguradora.

Ainda que assim não se entendesse, sempre seria de considerar nula a cláusula de definição de invalidez absoluta e definitiva constante do contrato de seguro, pela qual a seguradora proponente, afastando-se do escopo do contrato e do dever de consideração do interesse real dos aderentes, impõe o prévio reconhecimento pela Segurança Social ou pelo Tribunal de Trabalho ou, caso a pessoa segura não se encontre abrangida por nenhum regime ou instituição de Segurança Social, por junta médica, na medida em que tal constitui uma limitação sem justificação e trai as legítimas expectativas e a confiança do segurado aderente de que o seguro cobria, sem mais, esse risco, verificada que realmente estivesse situação de invalidez absoluta e definitiva.

Se o risco assumido pela seguradora está relacionado com a incapacidade do segurado para o trabalho, o que se percebe, uma vez que este, perdendo a capacidade de receber rendimento, coloca em causa, pelo menos em termos de probabilidade, o pagamento do mútuo bancário a que o seguro em questão se encontra adstrito, essa incapacidade existe desde 2014 e não no momento em que termina o processo de verificação. A partir do momento em que o segurado perde a capacidade para o trabalho, ele perde a capacidade de receber os rendimentos para pagar o empréstimo e por isso é desde esse momento, e não de outro, que o risco se concretizou em sinistro.

Assim sendo, está a seguradora obrigada a entregar ao segurado as mensalidades que este teve, indevidamente, que suportar depois de verificada a invalidez para evitar que o contrato de mútuo fosse resolvido por falta pagamento, Ao fazê-lo ele sub-rogou-se no direito do banco à realização da prestação nos termos a que a seguradora estava obrigada, podendo agora a exigi-lo da seguradora. Tem ainda direito à restituição dos prémios de seguro que entretanto pagou e a uma indemnização por danos não patrimoniais que sofreu com a opção, pela seguradora, da data do sinistro como sendo a data do apuramento do mesmo e não a data da invalidez.

Via | LexPoint
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo n.º 844/16.1T8MTA.L1-2, de 24 de maio de 2018  

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