Resolução de contrato de arrendamento

O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) decidiu que não constitui fundamento de resolução, por não tornar inexigível à senhoria a manutenção de contrato de arrendamento com cerca de 80 anos de duração, o facto de a inquilina não ter aberto a porta por duas vezes aos representantes da senhoria para a realização de vistoria ao local.

O caso

Uma sociedade imobiliária proprietária de um imóvel agiu judicialmente contra a arrendatária do mesmo, pedindo a resolução do contrato celebrado em 1934, a desocupação imediata do locado e uma indemnização pelos danos sofridos.

Fê-lo alegando que a inquilina, apesar de previamente notificada para o efeito, se tinha recusado a abrir a porta do imóvel nas duas vezes em que um representante da senhoria e um perito da câmara municipal se tinham deslocado ao local para realizarem uma vistoria para aferir do seu estado de conservação, segurança e salubridade, antes de serem realizadas obras e para efeitos de constituição da respetiva propriedade horizontal. Situação que a impedira de realizar o planeamento e a orçamentação da obra de reabilitação da fração arrendada e de concretizar a vistoria agendada pelo município.

O tribunal deu razão à senhoria, declarando a resolução do contrato e ordenando o despejo do imóvel, decisão da qual foi interposto recurso para o TRL.

Apreciação do Tribunal da Relação de Lisboa

O TRL revogou a sentença recorrida, declarando a ação totalmente improcedente e absolvendo a arrendatária, ao decidir que não constitui fundamento de resolução, por não tornar inexigível à senhoria a manutenção de contrato de arrendamento com cerca de 80 anos de duração, o facto de a inquilina não ter aberto a porta por duas vezes aos representantes da senhoria para a realização de vistoria ao local.

Diz a lei que constitui fundamento de resolução do contrato de arrendamento o incumprimento que pela sua gravidade ou consequências torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento, designadamente quanto à resolução pelo senhorio.

Ora, uma das obrigações do locatário é a de facultar ao locador o exame da coisa locada e tolerar as reparações urgentes, bem como quaisquer obras ordenadas pela autoridade pública.

Nesse sentido, a atuação da arrendatária que em dois dias distintos se recusa a abrir a porta do imóvel para permitir a realização de uma vistoria constitui um incumprimento das suas obrigações.

Não obstante, não é possível afirmar que desse incumprimento tenham resultado consequências para a senhoria que, pela sua gravidade, tornem inexigível a manutenção do arrendamento. Tratando-se de um contrato que dura há cerca de 80 anos, a perda de confiança recíproca na manutenção regular do vínculo terá de resultar de uma conduta reiterada e assaz comprometedora dessa confiança. Não sendo para o efeito suficiente essa mera recusa em abrir a porta, obrigando com isso a senhoria a repetir uma vez mais os procedimentos necessários para a realização da vistoria, o que, embora acarrete natural transtorno, não será de difícil concretização.

Segundo o TRL, não seria proporcional face aos interesses em causa e conforme à equidade admitir que pelo facto da inquilina não ter aberto a porta por duas vezes num arrendamento com cerca de 80 anos de duração se tenha tornado inexigível à senhoria a manutenção do mesmo, ou seja, que tal conduta nesse contexto assuma um nível de gravidade e gere consequências tais que não seja razoavelmente exigível à outra parte, de um ponto de vista objetivo, a manutenção do contrato.

Via | LexPoint
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo n.º 7092/17.1T8LSB.L1-8, de 12 de setembro de 2019

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