O Tribunal da Relação de Guimarães (TRG) decidiu que deve ser fixado um regime de visitas à tia que cuidou da menor após o seu nascimento quando os laços de afetividade criados entre ambas sejam semelhantes aos da filiação e essas visitas permitam estabelecer uma proximidade e interação positiva entre a menor e a mãe, incapacitada de exercer tais funções.

O caso

Fruto de uma relação ocasional, uma menor, nascida em 2008, foi colocada logo após o seu nascimento à guarda e aos cuidados da tia materna, uma vez que a mãe padecia de uma deficiência mental moderada que a tornava incapaz de exercer as suas responsabilidades maternais. O pai só começou a ter contactos regulares com a filha depois de ter tido conhecimento do resultado do teste de paternidade.

Em janeiro de 2011 a tia materna da menor saiu de casa da avó, onde vivia juntamente com a mãe da menor e outros irmãos, e passou a viver num apartamento juntamente com o seu companheiro e com a menor.

Por decisão judicial, proferida em agosto de 2012, foi decidido atribuir a guarda da menor ao pai, com quem ela passou a residir habitualmente e que passou a exercer as responsabilidades parentais.

Nessa altura foi fixado um regime de visitas a favor da tia materna, determinando-se que a menor poderia passar com esta fins-de-semana, alternados, altura em que a mãe podia também conviver com a menor. Além disso, a tia materna poderia visitá-la quando o desejasse, desde que avisasse o pai com antecedência e sempre com respeito dos seus períodos de descanso e futuras obrigações escolares.

Porém, a partir de setembro de 2014, devido a uma conflitualidade crescente entre o pai e a tia, aquele deixou de permitir que ela se deslocasse a casa desta, o que levou a tia a recorrer a tribunal pedindo para que fosse alargado o regime de visitas estipulado para permitir que a menor pudesse conviver mais consigo e com a mãe.

Após a realização das diligências necessárias, procedeu-se a julgamento, tendo sido proferida sentença que decidiu alterar o exercício das responsabilidades parentais referente à menor por forma a que a esta, de quinze em quinze dias, passasse o fim de semana com a tia e com a família materna, o mesmo acontecendo no dia de Natal e fazendo uma refeição com a mãe, assegurada pela tia, no seu dia de aniversário e no dia de aniversário da mãe.

O pai não concordou com estas alterações e recorreu para o Tribunal da Relação de Guimarães pedindo para que as visitas à menor fossem efetuadas pela mãe acompanhada da sua curadora, a avó materna da menor, na residência da mesma, ou seja, em casa do pai.

Apreciação do Tribunal da Relação de Guimarães

O Tribunal da Relação de Guimarães (TRG) negou provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida, ao decidir que deve ser fixado um regime de visitas à tia que cuidou da menor após o seu nascimento quando os laços de afetividade criados entre ambas sejam semelhantes aos da filiação e essas visitas permitam estabelecer uma proximidade e interação positiva entre a menor e a mãe, incapacitada de exercer tais funções.

Em 1995, a introdução da norma segundo a qual os pais não podem injustificadamente privar os filhos do convívio com os irmãos e ascendentes veio consagrar a necessidade de salvaguarda de relações familiares não estritamente nucleares, tendo como pressuposto a ideia de que esse relacionamento se traduz numa mais-valia para o desenvolvimento psicossocial e educacional dos menores.

Sendo que as regras comunitárias reguladoras do regime do direito de visita são também aplicáveis a qualquer tipo de exercício desse direito, com abstração da pessoa do seu beneficiário, abrangendo, por exemplo, os avós e terceiros

Quis-se, por esta via, deixar aberta a porta a todas as formas de concretização e tutela dos interesses dos menores, sempre com a noção de que a realidade é mais rica que a norma e que o que se busca é a tutela do superior interesse da criança a um nível que é o único suscetível de emprestar sentido e coerência a essa noção e que afasta qualquer legalismo ou predomínio da forma sobre a adequação da decisão ao facto, equidade e justiça.

Assim, tendo em conta que a menor demonstra grande afetividade para com a mãe, tia e o seu companheiro e demais família materna, e que a sua progenitora apresenta um défice cognitivo notório, com um nível intelectual inserido na banda da deficiência mental moderada, o que se traduz na adoção de comportamentos irrefletidos e desadequados do ponto de vista do relacionamento interpessoal, que obsta ao exercício pleno das suas responsabilidades maternais, assumidas pela sua tia desde que nasceu até à guarda paterna, é de todo o interesse da menor, face aos laços criados e afetividade existente, que essa ligação à família da mãe, e à mãe, por via da tia, se mantenham, por forma a assegurar o seu desenvolvimento salutar e o mais equilibrado possível.

Como tal, deve ser assegurado o direito de visita da tia e, face à conflitualidade existente entre o pai e a tia, que essas visitas ocorram na casa desta. Regime esse que se mostra ser o mais adequado e equilibrado ao interesse da menor e às especificidades do caso concreto.

Via | LexPoint

Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no processo n.º 719/08.8TBBCL-C.G1, de 10 de novembro de 2016 

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