O Tribunal da Relação de Coimbra (TRC) decidiu que para que haja crime de fotografias ilícitas basta que estas tenham sido obtidas sem autorização do visado, não se exigindo que essa oposição de vontade seja expressa, sendo suficiente a existência de uma conduta contrária à vontade presumida do titular do direito à imagem.

O caso

Enquanto estava num café, a ver futebol na televisão, um homem foi fotografado de repente por outro, ex-marido da sua atual companheira, sem a sua autorização, tendo essa fotografia sido espalhada por toda a cidade, através das caixas do correio.

Em consequência, o homem acabou condenado numa pena de multa pela prática de um crime de fotografias ilícitas e a indemnizar o lesado, bem como a abster-se de utilizar a fotografia em causa.

Discordando dessa decisão, o arguido recorreu para o TRC, alegando que a pessoa fotografada não manifestara de forma inequívoca a sua recusa em ser fotografada, o que afastava a existência de crime.

Apreciação do Tribunal da Relação de Coimbra

O Tribunal da Relação de Coimbra julgou improcedente o recurso ao decidir que para que haja crime de fotografias ilícitas basta que estas tenham sido obtidas sem autorização do visado, não se exigindo que essa oposição de vontade seja expressa, sendo suficiente a existência de uma conduta contrária à vontade presumida do titular do direito à imagem.

Diz a lei que comete o crime de fotografias ilícitas quem, sem consentimento fotografar outra pessoa, mesmo em eventos em que tenha legitimamente participado, ou utilizar ou permitir que se utilizem essas fotografias, mesmo que licitamente obtidas.

Visa-se, assim, proteger o direito à imagem, um bem com caráter eminentemente pessoal e com a estrutura de uma liberdade fundamental, que reconhece à pessoa o domínio exclusivo sobre a sua própria imagem, numa dupla dimensão, por um lado positiva, no sentido de que assiste ao seu portador concreto a legitimidade para, em total liberdade, autorizar o registo e, por outro, negativa, na medida em que a pessoa tem a liberdade para, sem restrições, se recusar a ser fotografada.

Sendo que só não será necessário esse consentimento da pessoa retratada quando assim o justifiquem a sua notoriedade, o cargo que desempenhe, exigências de polícia ou de justiça, finalidades científicas, didáticas ou culturais, ou quando a reprodução da imagem vier enquadrada na de lugares públicos, ou na de factos de interesse público ou que hajam decorrido publicamente.

Ora, tendo o arguido tirado uma fotografia ao corpo do ofendido, sem autorização deste último, e tendo-o feito de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que o não podia fazer, pois carecia da necessária autorização, tanto basta para que se considere verificada a prática do crime de fotografias ilícitas.

E para que tal aconteça não se exige que a oposição de vontade seja expressa, pois para a conduta ser típica bastará que contrarie a vontade presumida do portador concreto do direito à imagem, alicerçada numa análise conjectural que o julgador possa inferir das circunstâncias do caso.

Nesse sentido, avaliada a realidade de acordo com padrões comuns de normalidade e de convivialidade social, e de acordo com as regras da experiência, não é concebível que a vontade presumida do visado fosse no sentido de aceitar e de se conformar com o facto de alguém que não conhece, de forma repentina, inopinada e deliberada, lhe tirar uma fotografia com o telemóvel, Da mesma forma que não é concebível que o agente do ato, honestamente e de boa-fé, presumisse que a vítima, nessas circunstâncias, se deixaria fotografar, abertamente e de livre vontade, de modo pacífico e tranquilo.

Via | LexPoint
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no processo n.º 2/16.5 PAMGR.C1, de 20 de setembro de 2017

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