O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) decidiu que, não resultando dos factos provados que o evento ocorreu por motivos alheios à situação profissional, é acidente de trabalho em sentido estrito, e não acidente de trajeto, aquele que um trabalhador independente, que não tem local de trabalho fixo, sofre ao regressar a casa.

O caso

Uma trabalhadora independente, que desempenhava a atividade profissional de agente de seguros, foi vítima de um acidente de viação quando regressava a casa, vindo das instalações da seguradora, o qual lhe causou lesões na coluna e uma incapacidade parcial permanente de 2%.

Em consequência, acionou o seguro de acidentes de trabalho, tendo recorrido a tribunal para que lhe fossem pagas as indemnizações a que tinha direito.

Mas a ação foi julgada improcedente, depois do tribunal ter considerado que ficara por provar que o acidente tivesse ocorrido no trajeto direto da trabalhadora entre o seu local de trabalho e a sua residência, decisão da qual aquela recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa.

Apreciação do Tribunal da Relação de Lisboa

O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) julgou procedente o recurso, revogando a sentença e condenando a seguradora a pagar as indemnizações devidas à trabalhadora em resultado do acidente que sofrera.

Decidiu o TRL que, não resultando dos factos provados que o evento ocorreu por motivos alheios à situação profissional, é acidente de trabalho em sentido estrito, e não acidente de trajeto, aquele que um trabalhador independente, que não tem local de trabalho fixo, sofra ao regressar a casa.

Prestando a trabalhadora uma atividade independente, não sujeita a horário nem a local de trabalho, não faz sentido discutir se o que ocorreu foi um acidente de trajeto, pois tal pressupunha a existência de um local de prestação da atividade e a ocorrência do infortúnio fora do mesmo.

Não tendo o sinistrado local certo de prestação da atividade, antes se deslocando na visita a clientes, os acidentes ocorridos em trânsito não são de trajeto, mas sim ressarcíveis na mesma medida em que o são aqueles que possa sofrer um caixeiro viajante ou um estafeta. São acidentes de trabalho em sentido estrito, ocorridos no tempo e no local de trabalho, a menos que resulte dos factos que a deslocação não teve qualquer conexão com a situação laboral, como acontece se um técnico que presta assistência aos clientes do empregador sofre um acidente numa praia onde se deslocou por motivos meramente lúdicos.

Ora, tendo a sinistrada sofrido o acidente quando regressava das instalações da seguradora para quem prestava atividade, não sendo, porém, esse o seu local de trabalho, pouco importa a discussão relativa ao modo como terá empregue o tempo após sair, se a visitar um cliente e a buscar as filhas ou não, factos que apenas seriam relevantes se estivesse em causa um acidente de trajeto, para apurar se houve ou não interrupção ou desvio atendível.

Interessa, sim, que nada se vislumbra que quebre a conexão entre a situação profissional da sinistrada e a viagem em que ocorreu o acidente, não resultando de lado algum que tenham sido motivos não profissionais a dar azo à deslocação, pelo que é de concluir que a sinistrada foi vítima de um acidente de trabalho, tendo direito à respetiva indemnização.

Via | LexPoint
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo n.º 1558/13.0TTLSB.L1-4, de 14 de junho de 2017

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