Tribunal aprecia ofensa a organismo público

O Tribunal da Relação do Porto pronunciou-se sobre afirmações publicadas no Facebook, que não correspondendo à verdade, foram disseminadas a um conjunto muito alargado de pessoas, não se restringindo a um grupo de «amigos». Assim, definiu a prática de um crime, praticado por quem postou tais afirmações, por serem inverídicas, independentemente de qualquer opinião divulgada a propósito.

A Relação do Porto decidiu que comete um crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva quem efetua uma publicação no Facebook afirmando que um relatório, que já lera, fora arrasador para os centros educativos geridos por uma determinada associação quando tal não correspondia à verdade.

Esse é agravado ao ser cometido através do Facebook, uma vez que se trata de um crime cometido através de meio de comunicação social já que uma página no Facebook, que seja acessível a qualquer pessoa e não apenas a um grupo de amigos, visa também atingir um conjunto alargado de pessoas.

Segundo a Relação, o crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva apenas abrange a afirmação ou propalação de factos inverídicos e ofensivos e não a formulação de juízos ofensivos.

É assim necessário não só a afirmação ou propalação de factos mas também que estes se revelem inverídicos e ofensivos. No entanto, basta que os factos em questão sejam capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança do visado, mesmo que essa credibilidade, esse prestígio, ou essa confiança não tenham sido efetivamente atingidos.

A afirmação de que um relatório foi arrasador para uma determinada instituição corresponde à imputação de um facto e não à formulação de um mero juízo de valor. E não pode ser considerada verdadeira quando o relatório apenas refira um dos centros geridos pela associação visada, o único em funcionamento à data da sua elaboração, apontando aspetos positivos e negativos e concluindo que, dado o pouco tempo de funcionamento da experiência, não era, na altura, possível ter uma perceção abrangente e fundamentada desse mesmo funcionamento.

A Relação afirmou ainda que, em caso de provimento de um recurso que tenha como consequência a condenação do arguido, cabe ao tribunal de segunda instância e não ao tribunal recorrido fixar a pena respetiva, sem que tal implique violação do duplo grau de jurisdição.

Este apenas exige que seja possível recorrer da primeira decisão proferida para um tribunal superior e não a consagração de faculdade de recorrer, sempre e em qualquer caso, da primeira decisão condenatória, ainda que proferida em via de recurso.

O caso

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Em fevereiro de 2012, um antigo trabalhador de uma associação responsável pela gestão de vários centros educativos publicou no Facebook que o relatório da Comissão Fiscalizadora dos Centros Educativos, designado pela Assembleia da República, tinha sido arrasador para com os centros geridos por aquela associação. Na mesma página, publicou uma ligação para uma notícia sobre as conclusões do mencionado relatório onde se referiam as diversas falhas detetadas sem contudo se fazer qualquer referência aos centros dirigidos por aquela associação.

O relatório citado, de 2011, procedera à análise do desempenho dos centros educativos ao longo do ano de 2010, onde se incluía, apenas um dos centros geridos pela associação, situado na Madeira. Quanto a este mencionava diversos aspetos positivos e negativos, concluindo que, devido ao pouco tempo em que estava em funcionamento, não era possível, na altura, ter uma perceção abrangente e fundamentada desse mesmo funcionamento.

No mês seguinte, a mesma pessoa publicou também no Facebook uma carta que lhe tinha sido endereçada pelos advogados da associação, onde respondiam a várias questões de matéria laboral por si colocadas, com alguns sublinhados a cor verde, realizados por si e destinados a fazer ressaltar algumas passagens da carta. Em causa estavam queixas quanto à falta de pagamento de horas extraordinárias e a inexistência de refeições quentes no turno da noite. Queixas que não foram desmentidas pela associação, mas sim corrigidas. Carta que foi acompanhada por um comentário onde alertava outros colegas para a situação que dizer ser de pouca vergonha e mentira.

A associação não gostou dos comentários feitos e fez queixa do antigo trabalhador que veio a ser acusado da prática de dois crimes de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva. E exigiu o pagamento de uma indemnização pelos danos causados à sua imagem e bom nome.

Mas o tribunal acabou por absolvê-lo, ao considerar que estavam em causa meros juízos de valor, que não eram punidos criminalmente, e que os únicos factos imputados à associação, relacionados com a falta de pagamento de horas extraordinárias e a não disponibilização de refeições quentes aos funcionários do turno da noite, se tinham revelado verdadeiros.

Inconformados com esta decisão, o Ministério Público e a Associação recorreram para a Relação.

Esta entendeu que a afirmação de que o relatório tinha sido arrasador para com os centros geridos por aquela associação constituía uma imputação de um facto inverídico, uma vez que da sua leitura não era possível retirar essa conclusão, razão pela qual considerou praticado o crime e condenou o antigo trabalhador a pagar uma multa no valor de 900 euros.

No entanto, apesar dessa decisão, manteve a sua absolvição do pedido de pagamento de uma indemnização por entender que a associação não tinha provado ter sofrido danos em resultado da publicação efetuada no Facebook.

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Referências
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo n.º 1087/12.9TAMTS.P1, de 30 de outubro de 2013
Código Penal, artigos 183.º e 187.º

Fonte | LexPoint

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