Gastos com aquisição e obras em imóvel

O Tribunal da Relação de Évora (TRE) decidiu que o marido possuidor de imóvel adquirido pela mulher, antes do casamento, tem direito a receber o montante com o qual contribuiu para a compra do imóvel e o montante que gastou com obras no mesmo até à celebração do casamento, como contrapartida pela sua restituição.

O caso

Uma mulher intentou uma ação contra o seu marido, ambos de nacionalidade alemã, pedindo para que este fosse condenado a reconhecer que ela era proprietária de um imóvel, que tinha adquirido antes do casamento e que ele ocupara, apesar de estarem separados há mais de 20 anos, e para que fosse obrigado a restituí-lo .

O marido contestou, pugnando pela improcedência da ação e pedindo para que a mulher fosse condenada a pagar-lhe uma indemnização correspondente ao preço de compra e ao valor das benfeitorias que ele realizara no imóvel, e para que lhe fosse reconhecido o direito de retenção sobre o mesmo até pagamento dessa indemnização. Fê-lo alegando que fora ele quem suportara a totalidade do preço de aquisição do imóvel, quando viviam em união de facto, e que ela nada contribuíra para a sua manutenção desde a sua separação.

O tribunal decidiu julgar parcialmente procedente a ação, condenando o marido a restituir o imóvel à mulher, mas só depois de esta lhe pagar a quantia de 36.158,39 euros que lhe era devida, a título de enriquecimento sem causa, pelas obras de conservação e melhoramento que ele realizara. Insatisfeitos com esta decisão, ambos recorreram para o TRE.

Apreciação do Tribunal da Relação de Évora

O TRE julgou parcialmente procedente o recurso da autora, reduzindo para 26.030,21 euros a quantia a pagar pela mesma ao réu, mas mantendo no mais a decisão recorrida.

Decidiu o TRE que o marido possuidor de imóvel adquirido pela mulher, antes do casamento, tem direito a receber o montante com o qual contribuiu para a compra do imóvel e o montante que gastou com obras no mesmo até à celebração do casamento, como contrapartida pela sua restituição.

O proprietário pode exigir de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito e a consequente restituição do que lhe pertence.

Não obstante, o possuidor de boa-fé, assim como o de má-fé, têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que tenham feito e a procederem ao levantamento das benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela. Quando, para evitar o detrimento da coisa, não possa haver lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa.

De onde resulta que esse direito ao valor das benfeitorias, a calcular segundo as regras do enriquecimento sem causa, estará sempre dependente da prova de que o seu levantamento não poderá fazer-se sem prejuízo para o prédio em que foram realizadas as obras. E o mesmo só pode ser exercido quando o proprietário reivindica triunfantemente a coisa, sendo como que um contra direito relativamente a essa pretensão reivindicatória.

Tendo o réu realizado obras necessárias à conservação do imóvel e que aumentaram o valor do mesmo, na qualidade de possuidor, uma vez que tinha contribuído para a sua aquisição na expectativa do casamento, e não podendo o seu levantamento ser feito sem prejuízo para o prédio em que foram realizadas, tem o mesmo direito a exigir o montante respetivo, segundo as regras do enriquecimento sem causa.

Sendo o casal de nacionalidade alemã e estabelecendo a lei alemã como regime de bens supletivo o da comunhão de ganhos ou participação nos adquiridos, em que o direito de propriedade de cada um dos cônjuges não se torna propriedade comum de ambos, sem prejuízo de igualização dos ganhos de ambos em caso de cessação do casamento, é indiscutível que o imóvel pertence exclusivamente à mulher, situação que não se alterou após a celebração do casamento, e que ocorre um enriquecimento injustificado da mesma, à custa do património do marido, que contribuiu para a sua compra e suportou as obras, o qual não dispõe de nenhum outro meio para ser indemnizado ou restituído.

Com efeito, a causa justificativa que motivou esse pagamento, que era a de fazerem vida em comum, deixou de subsistir, isto é, a mulher recebeu essa quantia em virtude de uma causa que deixou de existir. Pelo que o marido deve ser restituído daquilo com que efetivamente a mulher enriqueceu, ou seja, receber a diferença entre o enriquecimento à data da deslocação patrimonial e o enriquecimento atual.

Assim, tem o mesmo direito a receber o montante com o qual contribuiu para a compra do imóvel e o montante que gastou com obras até à celebração do casamento. Já o custo daquelas que realizou já depois de casado terá de ser compensado após o divórcio, atento o regime de bens aplicável, que manda que essa compensação seja feita só depois de cessado o casamento.

Gozando, no entanto, de direito de retenção do imóvel até ser integralmente pago das quantias que lhe são devidas pela mulher.

Via | LexPoint
Acórdão do Tribunal da Relação de Évora proferido no processo n.º 1561/16.8T8FAR.E1, de 28 de junho de 2018

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