Videovigilância no local de trabalho

O Tribunal da Relação do Porto (TRP) decidiu que é de admitir a visualização, em sede de audiência de discussão e julgamento, das imagens de videovigilância recolhidas legalmente no local de trabalho, com o conhecimento da trabalhadora, como meio de prova, para fins disciplinares, da prática de atos amorosos entre essa trabalhadora e o namorado no local e durante o horário de trabalho.

O caso

Uma trabalhadora caixa de balcão num café de uma bomba de gasolina foi despedida, após processo disciplinar, depois de ter sido vista várias vezes no local e horário de trabalho, na companhia do seu namorado, aos beijos com o mesmo, frente a colegas e clientes, acariciando-se um ao outro no rabo, pernas e peito.

Inconformada com o seu despedimento, a trabalhadora impugnou-o judicialmente, tendo no decurso do processo arguido a nulidade, como meio de prova, das imagens captadas pelo sistema de videovigilância instalado no estabelecimento.

Mas o tribunal decidiu que se tratava de prova lícita e válida para sustentar o processo disciplinar, admitindo a junção ao processo das gravações efetuadas para serem visionadas na audiência de julgamento. Decisão da qual a trabalhadora recorreu para o TRP.

Apreciação do Tribunal da Relação do Porto

O TRP julgou improcedente o recurso ao decidir que é de admitir a visualização, em sede de audiência de discussão e julgamento, das imagens de videovigilância recolhidas legalmente no local de trabalho, com o conhecimento da trabalhadora, como meio de prova, para fins disciplinares, da prática de atos amorosos entre essa trabalhadora e o namorado no local e durante o horário de trabalho.

A lei impede o empregador de utilizar meios de vigilância a distância no local de trabalho, mediante o emprego de equipamento tecnológico, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador. No entanto, a utilização desse equipamento é lícita quando vise a proteção e segurança de pessoas e bens ou quando particulares exigências inerentes à natureza da atividade o justifiquem, devendo o empregador informar devidamente o trabalhador sobre a existência desses meios de vigilância.

Não obstante, a inserção do trabalhador numa organização empresarial comporta limitações à liberdade e exercício dos seis direitos fundamentais, que pode provocar conflitos entre o direito fundamental do trabalhador à reserva sobre a intimidade da sua vida privada e o direito do empregador a prosseguir os objetivos empresariais.

Como tal, a imposição dos direitos fundamentais na execução do contrato de trabalho é, naturalmente, compatível com a admissibilidade de limites ou restrições a esses direitos do trabalhador. Sendo que o limite ao exercício de direito fundamental contende com a sua manifestação, com o modo de se exteriorizar através da prática do seu titular, e decorre de razões ou considerações de caráter geral, válidas para quaisquer direitos, como a moral, a ordem pública e o bem-estar numa sociedade democrática.

Ora, a prática de atos amorosos entre uma trabalhadora e o namorado não pode ser manifestada no local e durante o horário de trabalho, sendo este um espaço privado, de acesso público pelos respetivos clientes. Um cliente médio não aceita que uma trabalhadora, que o vai atender ao balcão do café, seja vista de joelhos, ao lado do namorado tendo este a mão no peito dela, ou a beijarem-se na boca ou a apalpar-lhe o rabo.

O direito privado da trabalhadora, a manter atos amorosos com o namorado, ao perturbar a atividade da empresa na pessoa dos seus clientes, que poderão afastar-se, prejudicando o negócio, deve ser limitado, pelo que não pode, não deve, estar protegido pela proibição legal em matéria de recolha de imagens de videovigilância no local de trabalho para controlo do próprio trabalhador. Na verdade, não se está perante o controlo do seu desempenho profissional, mas perante factos ocasionais, reportados aos seus impulsos amorosos.

Ao praticar tais atos sabendo que estava a ser filmada pelo sistema de videovigilância legalmente autorizado no local de trabalho, a trabalhadora expôs-se gratuitamente, não devendo esse seu direito privado sobrepor-se ao direito do empregador a receber os seus clientes, que são o cerne do seu negócio, sem qualquer constrangimento de índole moral e bem-estar social.

Neste contexto, concluiu o TRP que era de admitir a visualização, em sede de audiência de discussão e julgamento, das imagens de videovigilância recolhidas no local de trabalho, como meio de prova na ação de impugnação do despedimento.

Via | LexPoint
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo n.º 159/18.0T8PNF-A.P1, de 7 de dezembro de 2018

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