O Tribunal da Relação do Porto (TRP) decidiu que nada obsta à formalização e validade de um testamento cujo texto se limite a conter uma cláusula de exclusão da responsabilidade pelas dívidas contraídas antes da transmissão sucessória.

O caso

Uma empresa intentou uma ação contra um particular com base numa sentença, proferida em 04/10/2013, que o condenara a pagar-lhe a quantia de 8.814,93 euros, acrescida de juros. Em consequência, em fevereiro de 2015 foi penhorado o quinhão hereditário de que o executado era titular, por morte da sua mãe, sobre três prédios.

Acontece que sobre tais bens, com data de 11/10/2012, estava registada uma cláusula segundo a qual os mesmos lhe eram deixados com a cláusula de exclusão de responsabilidade pelas dívidas contraídas antes da transmissão sucessória. Cláusula essa contida no testamento que a mãe fizera a seu favor em abril de 2010, antes de falecer em outubro desse mesmo ano.

O executado opôs-se à penhora, alegando que, devido a essa cláusula, o seu quinhão hereditário não respondia pela dívida exequenda. Mas o tribunal não lhe deu razão, decisão da qual o mesmo recorreu para o TRP.

Apreciação do Tribunal da Relação do Porto

O TRP julgou procedente o recurso, dando provimento à oposição à penhora deduzida pelo executado, ao decidir que nada obsta à formalização e validade de um testamento cujo texto se limite a conter uma cláusula de exclusão da responsabilidade pelas dívidas contraídas antes da transmissão sucessória.

Segundo a lei, todos os bens do devedor, isto é, todos os que constituam o seu património, respondem pelo cumprimento da obrigação, não havendo que distinguir entre os bens existentes no património do devedor à data da constituição da obrigação e os que de futuro lhe venham a pertencer.
Contudo, a lei prevê algumas exceções a esse princípio geral, designadamente, através da possibilidade de ser convencionada uma cláusula de exclusão da responsabilidade dos bens doados ou deixados, pelas dívidas anteriores à liberalidade.

Nesse sentido, os bens deixados ou doados com a cláusula de exclusão da responsabilidade por dívidas do beneficiário apenas respondem pelas obrigações posteriores à liberalidade e, também, pelas anteriores se for registada a penhora antes do registo daquela cláusula.

Assim, à luz deste regime, quer o testador quer o doador podem libertar os bens deixados ou doados do cumprimento das dívidas existentes ao tempo da liberalidade, embora a oponibilidade dessa cláusula de exclusão esteja sujeita a registo quando o objeto dessa liberalidade seja um imóvel ou um móvel sujeito a registo, já que, de contrário, os bens doados ou deixados responderão, a despeito da cláusula, não só pelas dívidas posteriores, mas também pelas anteriores cujo credor tenha registado a penhora antes do registo da cláusula, sendo que com tais restrições se visa a proteção de terceiros e do comércio em geral, pois existe a aparência de que esses bens respondem pelas dívidas do seu titular.

Essa cláusula pode ser consagrada em testamento, uma vez que o testador pode nele incluir as cláusulas pessoais que bem entender e, bem assim, as disposições de caráter patrimonial que a lei não proíba, direta ou indiretamente, que sejam nele inseridas.

Deste modo, sendo válida tal cláusula e tendo sido efetuada a sua inscrição no registo predial em momento anterior à penhora, ter-se-á de considerar que a mesma desonera de responsabilidade os bens que foram deixados ao executado por óbito da sua mãe relativamente às dívidas anteriores à essa transmissão sucessória, como é o caso da dívida exequenda.

Via | LexPoint
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo n.º 6861/13.6YYPRT-A.P1, de 4 de dezembro de 2017    

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