O Tribunal da Relação do Porto (TRP) decidiu que no incidente de incumprimento das responsabilidades parentais não há lugar para a compensação de créditos, por falta dos necessários pressupostos legais.

O caso

Após o divórcio, um casal acordou que as suas duas filhas ficariam a viver com a mãe, a qual ficava encarregue dos exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente, sendo as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida das filhas atribuídas a ambos os progenitores.

O pai obrigou-se a pagar, mensalmente, a título de alimentos devidos às menores, a quantia de 150 euros para cada uma, quantia que seria atualizada todos os anos. As despesas extraordinárias, nomeadamente com próteses, consultas médicas, medicamentos, intervenções cirúrgicas, livros escolares, material escolar e atividades extra escolares das menores, seriam suportadas pelo pai e pela mãe em partes iguais, mediante a apresentação ao pai de cópia dos respetivos recibos.

Por falta de pagamento, por parte do pai, da metade dessas despesas de educação e de saúde das menores, a mãe instaurou contra ele incidente de incumprimento das responsabilidades parentais. O pai defendeu-se alegando que não tinha sido consultado nem tinha concordado com a realização dessas despesas, nomeadamente com explicações e atividades extra curriculares, nem com o recurso a sistemas de saúde não abrangidos pela ADSE. Reclamou, também, o pagamento de metade dos gastos que tinha tido com deslocações das menores para essas mesmas atividades.

O tribunal julgou procedente o incidente de incumprimento, ordenando que a entidade patronal do pai passasse a retirar do seu vencimento as quantias necessárias para a liquidação da dívida. Inconformado, este recorreu para o TRP.

Apreciação do Tribunal da Relação do Porto

O TRP julgou improcedente o recurso, ao decidir que no incidente de incumprimento das responsabilidades parentais não há lugar para a compensação de créditos, por falta dos necessários pressupostos legais.

Diz a lei que quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer uma delas se pode livrar da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, desde que o seu crédito seja exigível judicialmente e não proceda contra ele exceção, peremptória ou dilatória, de direito material, e tenham as duas obrigações por objeto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.

De onde resulta que o primeiro dos requisitos exigíveis para que haja compensação é a existência de créditos recíprocos, o que significa que cada uma das partes tem que possuir na sua esfera jurídica um crédito sobre a outra parte, e só pode operar a compensação para extinguir a sua própria dívida. Assim, o declarante só pode usar para efetuar a compensação créditos seus sobre o seu credor, estando-lhe vedada a utilização para esse efeito de créditos alheios, ainda que o titular respetivo dê o seu consentimento.

Ora, estando em causa um processo de regulação de responsabilidades parentais, os créditos reclamados por ambos os progenitores não são seus mas sim do seu filho menor. É este o credor da prestação alimentícia e é dele, por isso, o direito de exigir alimentos de cada um dos pais, ainda que nisso tenha que ser representado.

A prestação de alimentos do filho menor deve, pois, ser efetiva e o obrigado deve pagá-la nos termos estabelecidos a favor daquele. Esta prestação não se configura como um direito do outro progenitor pelo que não ocorre, no caso, o requisito da reciprocidade dos créditos, indispensável à compensação.

Quanto às despesas cujo pagamento era reclamado pela mãe, entendeu o TRP que a frequência de atividades extra curriculares por parte das menores, bem como as consultas médicas, colocação de próteses, aquisição de medicamentos e de material escolar necessário para as filhas, não são questões de particular importância sobre as quais o pai tivesse que acordar com a mãe ou, sequer, que ser previamente ouvido.

Tratam-se de atos da vida corrente das filhas, pelo que tendo os pais acordado na sua repartição, em partes iguais, mediante a apresentação ao pai de cópia dos respetivos recibos, está este obrigado a proceder a esse pagamento. Para mais quando tenha aceite tacitamente as decisões tomadas pela mãe ao transportar as menores na sua deslocação para a frequência dessas atividades extra curriculares.

Via | Lexpoint
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo n.º 419/17.8T8AVR.P1, de 8 de março de 2018

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