O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) decidiu que a constituição de uma nova família pelo progenitor que detém a guarda da menor e a intenção de que o atual marido a adopte não constitui fundamento para impedir o contacto entre a avó paterna e a menor e para afastar o direito desta ao relacionamento com os seus ascendentes.

O caso

Uma avó recorreu a tribunal pedindo para que lhe fosse permitido visitar e conviver com a sua neta. Fê–lo alegando que era avó paterna da menor, então com 3 anos de idade, que esta vivia com a mãe e que esta a impedia de a visitar, desde que ela fizera um ano e depois de ter constituído uma nova família.

A mãe da menor opôs-se alegando que o pai desta não a via praticamente desde o seu nascimento, que casara com outra pessoa, de quem tinha dois filhos, sendo intenção do seu marido adotar a menor, e que esta encarava como seus avós os pais do seu marido.

O tribunal reconheceu o direito a avó a visitar a neta, tendo estabelecido o respetivo regime gradual de contactos pessoais entre ambas, impondo um convívio de pelo menos uma vez por mês, durante pelo menos duas horas, durante os primeiros seis meses, na presença da mãe ou de um técnico especializado, para depois esse convívio passar a ser feito apenas entre avó e neta, em dia de fim-de-semana, no aniversário, no Natal, Fim de Ano, Páscoa e no dia dos Avós.

Discordando dessa decisão, a mãe recorreu para o TRL alegando que a mesma era prejudicial para a menor, que desconhecia e não tinha nenhuns contactos com a família do pai.

Apreciação do Tribunal da Relação de Lisboa

O TRL julgou improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida, ao decidir que a constituição de uma nova família pelo progenitor que detém a guarda da menor e a intenção de que o atual marido a adopte, não constitui fundamento para impedir o contacto entre a avó paterna e a menor e para afastar o direito desta ao relacionamento com os seus ascendentes.

A lei tutela o direito autónomo dos menores ao relacionamento com os seus ascendentes e irmãos, introduzindo um limite ao exercício das responsabilidades parentais e impedindo os pais de obstarem, sem qualquer justificação, a que os filhos se relacionem com os seus ascendentes ou com os irmãos.

Trata-se não de um direito, neste caso, da avó a visitas, mas sim de um direito autónomo da menor a conhecer e a relacionar-se com a sua família biológica paterna, cuja existência lhe é omitida pela própria mãe.

Nesse sentido, a lei estabelece uma presunção de que a relação da criança com os avós e irmãos é benéfica para esta, incumbindo ao progenitor que pretende impedir as visitas, o ónus de provar que esse convívio é prejudicial à menor.

Não invocando a mãe da menor nenhum argumento, nomeadamente falta de idoneidade da avó paterna, conflitos entre esta e a família da menor, transposta para a relação com a menor, ou quaisquer outros, dos quais decorra que não é do interesse da criança que esses contactos se realizem, a constituição de uma nova família pela mãe, que detém a guarda da menor, e a intenção de que o atual marido adopte a menor, não constitui fundamento válido para impedir o contacto desta com a avó paterna.

Além disso, essa existência de diferentes realidades familiares, com o alargamento das figuras parentais, incluindo o novo marido ou esposa dos pais biológicos e respetiva família, não pode servir para amputar a família paterna da vida e memória da menor, sob pena de tal constituir uma violação dos direitos da criança de conhecer as suas raízes, a sua progenitura biológica e contactar e conviver com os seus familiares biológicos.

A coexistência de avós biológicos e avós afetivos não constitui, em si, um trauma ou uma circunstância anómala na vida de uma criança, tendo em conta a realidade decorrente da constituição de novas famílias e de novos afetos, na sequência da separação dos progenitores. Sendo salutar que o progenitor que detém a guarda da criança o compreenda, o respeite e que saiba estabelecer uma transição pacífica para a nova realidade decorrente da separação e não empreender um corte com o passado e com os elementos da família do outro progenitor.

A existência desta avó e o estabelecimento de contactos afetivos, em especial nesta idade, em que se formam laços duradouros e próximos entre netos e avós, é salutar, do superior interesse da criança e, ao invés de criar na menor a ideia de rejeição paterna, poderá, pelo contrário, contribuir para a minorar, pois que o afastamento do pai não equivale ao afastamento de toda a família paterna.

Via |LexPoint
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo n.º 2043/16.3T8SNT.L1-6, de 8 de fevereiro de 2018

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