O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que quem envie um cheque por correio simples para o seu destinatário é corresponsável, em conjunto com os bancos envolvidos, pelo prejuízo causado em resultado da falsificação do mesmo.

O caso

No exercício da sua atividade, uma sociedade comercial emitiu um cheque no valor de 31.222,38 euros para pagamento de produtos fornecidos por outra empresa, tendo enviado o cheque pelo correio, sem ser registado, para a morada da sede social da sociedade destinatária. Cheque esse que acabou por ser falsificado, tendo sido alterado o nome da sociedade beneficiária, e depositado na conta de outra entidade, de onde o respetivo montante foi levantado.

Obrigada a efetuar novo pagamento dos produtos fornecidos, a sociedade apresentou queixa-crime contra incertos e reclamou junto dos bancos envolvidos, tendo recorrido a tribunal pedindo para que estes fossem condenados a pagarem-lhe a quantia em causa.

Após recurso, o Tribunal da Relação decidiu repartir as culpas em 50% para a sociedade e em 50% para os bancos, condenando estes a pagarem-lhe metade do valor do cheque pago. Inconformados, a sociedade e os bancos recorreram para o STJ.

Apreciação do Supremo Tribunal de Justiça

O STJ negou provimento aos recursos ao decidir que quem envie um cheque por correio simples para o seu destinatário é corresponsável, em conjunto com os bancos envolvidos, pelo prejuízo causado em resultado da falsificação do mesmo.

Do contrato de cheque decorrem direitos e deveres para ambas as partes. Assim, para o cliente resulta, desde logo, o direito de dispor das quantias depositadas ou por qualquer outro modo postas à sua disposição pelo banco. Quanto a deveres, o mais importante é o de guardar cuidadosamente o livro ou caderneta de cheques, de modo a evitar que alguém dele se apodere facilmente e possa falsificar a assinatura do titular da conta, sendo que, em caso de perda ou extravio de qualquer cheque, deve ainda avisar imediatamente o banco.

Em relação a este, o principal direito que lhe cabe traduz-se na faculdade que tem de lançar em conta os cheques que for pagando. O seu principal dever consiste, naturalmente, em proceder ao pagamento dos cheques que sejam sacados sobre uma determinada conta nele sediada, à custa dos fundos que nessa conta se encontrem disponíveis. Como dever acessório e, de certo modo, instrumental desse dever principal, encontra-se o dever de verificação dos cheques, que consiste na obrigação que o banco sacado tem de verificar cuidadosamente o cheque a fim de detetar eventuais falsificações.

Ora, a responsabilidade pelos danos resultantes do pagamento de cheques falsificados decorre, precisamente, da violação desses deveres, sendo as consequências suportadas por aquele dos contraentes que tenha procedido culposamente, já que a responsabilidade contratual se baseia na culpa.

Nesse sentido, o envio de cheque por correio e em carta simples, em violação da norma que proíbe a expedição ou distribuição de objetos postais que contenham notas de banco, outros títulos ou objetos com valor realizável, salvo quando expedidos como valor declarado, torna o seu emitente responsável pelos danos decorrentes da sua falsificação, na medida em que adotou uma conduta de risco que contribuiu para tornar possível essa falsificação, violando, com culpa, o dever de cuidado que lhe competia e as regras de segurança no uso do cheque.

Responsabilidade essa que deve ser repartida com os bancos envolvidos, na proporção de 50% para estes e de 50% para o emitente, na medida em que estes também tenham violado o seu dever de verificação do cheque, ao não detetarem a falsificação.

É que mesmo não sendo a falsificação detetável a olho nu, os bancos têm a obrigação de dispor de técnicas evoluídas e de funcionários especializados na deteção de falsificações cada vez mais sofisticadas, sob pena de se considerar que não agiram com a diligência devida e que lhes é exigível.
Pelo que, ao limitar-se a proceder a uma simples análise do cheque à vista desarmada, o banco age com culpa, omitindo os deveres de diligência, de criterioso controlo da regularidade do cheque, a que está obrigado, tornando-se corresponsável pelos danos decorrentes da sua falsificação. O mesmo acontecendo com o banco sacado que, embora apenas tenha contacto com uma cópia digitalizada do cheque, tem também o dever de verificar a regularidade do mesmo, em proteção do seu cliente.

Via|Lexpoint
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo n.º 765/15.5T8LSB.L1.S1, de 5 de junho de 2018

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