O Tribunal da Relação de Évora (TRE) decidiu que as mudanças de comportamento de um dos cônjuges perante o outro não integram o erro que permite a anulação do casamento.

O caso

Depois de viverem juntos desde 1998, um casal, já com dois filhos, decidiu casar-se em 2015, por sugestão dela, tendo em conta a segurança patrimonial que esse estado lhe iria proporcionar.

Considerando que essa modificação do seu estado civil, de solteiro para casado, em nada iria a alterar a relação, ele acabou por concordar com a ideia, tendo o casamento sido celebrado sob o regime da comunhão geral de bens.

Acontece que, apenas umas semanas depois do casamento, o comportamento da mulher alterou-se e ela acabou por sair de casa. Convencido de que ela quisera casar consigo só pelo dinheiro, ele recorreu a tribunal pedindo para que fosse anulado o casamento. Mas a ação foi julgada improcedente, decisão da qual recorreu para o TRE.

Apreciação do Tribunal da Relação de Évora

O TRE julgou improcedente o recurso ao decidir que as mudanças de comportamento de um dos cônjuges perante o outro não integram o erro que permite a anulação do casamento.

Diz a lei que o erro que vicia a vontade de casar só é relevante para efeitos de anulação do casamento  quando recaia sobre qualidades essenciais da pessoa do outro cônjuge, seja desculpável e se mostre que sem ele, razoavelmente, o casamento não teria sido celebrado.

De onde resulta que não é qualquer erro que invalida o casamento. De todas as possíveis modalidades que o erro pode revestir só releva uma delas, que é o erro sobre a pessoa do outro contraente. E não basta o erro incidir sobre quaisquer qualidades mas apenas sobre as qualidades essenciais ocultas, do domínio do ser, já existentes no momento da celebração do casamento, mas que eram desconhecidas do outro cônjuge. Além disto, o erro tem de ocorrer antes do ato de casamento, quando se forma a vontade de casar, e os eventos futuros em nada o condicionam.

Nesse sentido, o estado civil ou religioso do outro cônjuge, a nacionalidade, a prática de crime infamante, vida e costumes desonrosos, a impotência, deformidades físicas graves, doenças incuráveis e que sejam hereditárias ou contagiosas serão circunstâncias que, entre outras, poderão assumir relevância para este efeito. Já as mudanças de humor ou as verdadeiras intenções do outro cônjuge não são qualidades essenciais que possam ser tidas em conta.

Ora, alegar como fundamento para o pedido de anulação que a pessoa se casou com a outra convencida de que esta continuaria a estimá-la e a tratar bem dela quando, afinal, não foi isso o que aconteceu, não constitui um erro sobre uma qualidade essencial da pessoa, mas apenas um defeito de personalidade, uma mudança de comportamento.  E essas mudanças de comportamento posteriores ao casamento nada têm que ver com a vontade de casar nem a influenciam, desde logo porque são exatamente posteriores a essa vontade.

Se o autor aceitou casar-se ao fim de cerca de dezassete anos de vida em comum, sabendo que ela queria casar-se consigo fundamentalmente para garantir o seu futuro patrimonial, e escolhendo o regime de comunhão geral de bens, fê-lo com perfeita consciência de que se iria colocar num plano de igualdade financeira com essa pessoa, da qual tinha obrigação de conhecer os defeitos e as virtudes. Em suma, a sua vontade de casar formou-se livre, consciente e ponderadamente, não existindo erro que possa justificar a anulação do casamento.

Via | LexPoint

Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido no processo n.º 289/16.3T8FAR.E1, de 12 de abril de 2018

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