O Tribunal da Relação de Coimbra (TRC) decidiu que, impugnando o credor uma doação efetuada pelo devedor, cabe a este ou ao terceiro interessado na manutenção do ato o ónus de alegar e provar que possui bens penhoráveis de valor igual ou superior à dívida, não sendo suficiente a mera alegação de que se possui um vasto património.

O caso

Um banco intentou uma ação para cobrança de valores em dívida, resultantes de créditos que havia concedido, tendo a devedora, entretanto, doado dois imóveis que possuía aos seus filhos.

Ao tomar conhecimento dessa doação, o banco impugnou-a judicialmente, alegando que fora feita para evitar o pagamento da dívida, uma vez que a devedora não possuía quaisquer outros bens, móveis ou imóveis, de valor suficiente para garantia do crédito.

A devedora e os seus filhos contestaram negando o caráter fraudulento do negócio e afirmando que a devedora era proprietária ou herdeira de bens mais que suficientes para garantirem o crédito do banco.

A ação foi julgada procedente, tendo o tribunal declarado a ineficácia da doação em relação ao banco, permitindo que este executasse os imóveis para pagamento do seu crédito. Inconformados com esta decisão, mãe e filhos recorreram para o Tribunal da Relação de Coimbra.

Apreciação do Tribunal da Relação de Coimbra

O Tribunal da Relação de Coimbra (TRC) julgou improcedente o recurso, confirmando a sentença, ao decidir que, impugnando o credor uma doação efetuada pelo devedor, cabe a este ou ao terceiro interessado na manutenção do ato o ónus de alegar e provar que possui bens penhoráveis de valor igual ou superior à dívida, não sendo suficiente a mera alegação de que se possui um vasto património.

A impugnação pauliana consiste no meio posto à disposição dos credores contra atos que envolvam diminuição da garantia patrimonial do crédito e que não sejam de natureza pessoal.

Os requisitos gerais da impugnação pauliana são que o crédito seja anterior ao ato ou, sendo posterior, este tenha sido realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor, e que resulte do ato a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou um agravamento dessa impossibilidade.

A tais requisitos acresce, quando se trate de um ato oneroso, a exigência de que o devedor e o terceiro adquirente tenham agido de má-fé, que consiste na consciência do prejuízo que o ato causa ao credor. Se o ato for gratuito, a impugnação procede, ainda que um e outro tenham agido de boa-fé.

Em termos de ónus de alegação e prova, a lei é clara no sentido de que incumbe ao credor a prova do montante das dívidas e ao devedor, ou ao terceiro interessado na manutenção do ato, a prova de que o obrigado possui bens penhoráveis de igual ou maior valor.

Ora, para que tal aconteça não basta alegar que se é titular de um vasto património, sendo necessário identificar os bens que integram esse património, com todos os elementos necessários, de modo a que o tribunal possa concluir pela existência de bens penhoráveis de igual ou maior valor. Feita essa prova, a impugnação improcederá, por falta de prova de um dos seus requisitos gerais, o de ter resultado do ato a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito ou o agravamento dessa impossibilidade.

No caso, sendo manifesto que a devedora não fez prova da suficiência do seu património, uma vez que não cumpre esse ónus a alegação não comprovada da existência de bens deixados em heranças abertas por óbito de seu pai e da mãe do seu ex-marido, pois além de não integrarem o seu património, desconhece-se o seu valor, além de existirem outros herdeiros que concorrem à herança, deve a impugnação proceder e ser declarada a ineficácia da doação em relação ao credor.

Via | Lexpoint

Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no processo n.º 118/14.2TBPCV.C1, de 14 de março de 2017

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